O número de trabalhadores com carteira assinada que não precisam pagar o
Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) deve dobrar em 2026, quando
deverá estar em vigor a faixa de isenção para quem ganha até R$ 5 mil,
conforme prometido pelo governo federal na “reforma da renda” que deverá
tramitar no Congresso Nacional no próximo ano.
A projeção de
contribuintes beneficiados é do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), fornecida à Agência
Brasil. Segundo a entidade, atualmente 10 milhões de pessoas estão
dispensadas do recolhimento do tributo. Com a proposta, a faixa de
isenção deverá passar dos atuais R$ 2.824 (dois salários mínimos) para
R$ 5 mil, assim serão adicionadas mais 10 milhões de pessoas dispensadas
da tributação.
A isenção do imposto favorecerá os trabalhadores
de menor rendimento e também alcançará assalariados da classe média em
outras faixas de rendimento. “Entre os que têm renda mensal entre R$ 5
mil e R$ 7,5 mil, também há o impacto positivo da redução das tarifas, e
este grupo representa por volta de 16 milhões de pessoas”, calcula
Mariel Angeli Lopes, supervisora técnica do escritório regional do
Dieese no Distrito Federal.
Crescimento econômico
Os dados do Dieese divergem dos números da Associação Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, a Unafisco. Em estudo
feito em setembro, a associação estimou alcance maior: 30,6 milhões de
contribuintes estariam desobrigados de pagar o IRPF se a tabela de
tributação fosse atualizada com a correção integral da inflação. Nesse
cálculo, o valor limite para ter isenção no recolhimento do imposto
seria um pouco maior do que o proposto posteriormente pelo governo, R$
5.084,04.
A Unafisco trabalha na atualização dos dados para
dezembro, mas prevê ingresso de R$ 50 bilhões no bolso dos trabalhadores
com a liberação do imposto de renda, aumento de consumo e crescimento
do Produto Interno Bruto (PIB). De acordo com o presidente da
associação, Mauro Silva, 65% do PIB brasileiro vem do consumo das
famílias.
Para ele, a isenção do IRPF acabará por
dinamizar a economia. “Essa faixa de renda tem uma poupança muito
pequena. Acaba consumindo tudo que ganha. Essas pessoas vão reformar
suas casas e utilizar mais serviços. Vai haver um transbordamento para
as famílias de menor poder aquisitivo também”.
Fora da meta
O economista João Leme, analista de contas públicas da Tendências
Consultoria, concorda que haverá aceleração da atividade econômica. “A
demanda mais alta acaba pressionando a oferta e faz com que a atividade
gire”, explica. O especialista, no entanto, teme que o aumento de
consumo possa pressionar a inflação.
“Algumas casas [de avaliação econômica]
já estão olhando aqui o IPCA [índice de Preço ao Consumidor Amplo] de
2024 indo fora da meta, e para o ano que vem também já se vê [a
inflação] descolando um pouco do centro da meta estabelecida pelo Comitê
Monetário Nacional”, ressalta o economista. Para ele, eventual ciclo
inflacionário poderá forçar “aperto monetário” e aumento da taxa de
juros.
Outro temor de João Leme é o impacto da isenção do IRPF
nas contas públicas, calculado entre R$ 35 a R$ 45 bilhões. Para ele,
essas projeções levaram “à deterioração de expectativas, justamente
porque o governo falava de um plano de corte de despesas de mais ou
menos R$ 70 bilhões divididos em R$ 30 bi para 2025 e R$ 40 bi para
2026.”
Sobre os efeitos nas contas públicas, o governo argumenta
que a compensação dos recursos não tributados com isenção serão
compensados com a ampliação da contribuição efetiva para quem ganha
acima de R$ 50 mil mensais (R$ 600 mil por ano).
“A nova medida
não trará impacto fiscal, ou seja, não aumentará os gastos do governo.
Porque quem tem renda superior a R$ 50 mil por mês pagará um pouco
mais”, explicou o ministro da Fazenda Fernando Haddad, em pronunciamento
em cadeia nacional de rádio e televisão no dia 27 de novembro.
Efeito distributivo
No pronunciamento, Haddad salientou que a reforma da renda, combinada
com a reforma tributária, “fará com que grande parte do povo brasileiro
não pague nem imposto de renda, nem imposto sobre produtos da cesta
básica, inclusive a carne. Corrigindo grande parte da inaceitável
injustiça tributária, que aprofundava a desigualdade social em nosso
país.”
O economista Ricardo Gonçalves, do Centro de Gestão de
Estudos Estratégicos (CGEE), e doutorando de Economia na Unicamp,
salienta que a isenção do IRPF sem a compensação teria efeito
concentrador, porque mesmo as pessoas de maior renda teriam um desconto
de R$ 5 mil no pagamento do imposto.
“Toda vez que aumenta a
faixa de isenção por si só, sem mudar a tabela progressiva de imposto de
renda, gera um efeito concentrador. A minha preocupação é que, além das
faixas de 27,5% [hoje alíquota máxima) tivesse outras taxas mais
elevadas para as pessoas mais ricas, para ter essa compensação.”
A
economista Clara Brenk, professora da UFMG e coordenadora da área de
política fiscal do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades
da USP, concorda com a necessidade de combinar a isenção com o aumento
da tributação sobre quem tem mais renda. “Isso faz com que a gente tenha
uma redução da desigualdade”, pondera.
Brenk traçou os distintos
perfis econômicos de quem se beneficia com a isenção e quem terá de
pagar mais impostos. “A gente olhou aqui pelos dados da PNAD [Pesquisa
Nacional de Amostra Domiciliar] e mais de 70% dessas pessoas que ganham
até R$ 5 mil são trabalhadores. Ao contrário de quando a gente olha para
quem ganha acima de R$ 50 mil por mês, quase a metade são donos de
empresas”.
O economista João Leme concorda que a reforma da renda
terá “efeito distributivo”. “A progressividade tributária não só é uma
coisa que é boa por ser moralmente correta, mas também por ser uma
determinação da própria Constituição. Ter uma estrutura de tributação
progressiva faz com que, de fato, a gente consiga ter um maior bem-estar
social. As pessoas que podem mais pagam mais.”
O presidente da
Unafisco, Mauro Silva, ressalva que um número muito pequeno de pessoas
tem renda acima de R$ 50 mil e terão de pagar mais IRPF. “Se eu for
considerar aqueles que hoje declaram como rendimento tributável mais de
R$ 50 mil, aí eu acho que não dá nem 100 mil pessoas”, estima.