“Vai para a prisão Bibi” e “Sai” foram alguns dos slogans ouvidos num protesto em solidariedade com os reféns capturados pelo Hamas, este sábado em Telavive. “Bibi, tens sangue nas mãos”, “Fomos abandonados” ou “Não há confiança, demite-te”, diziam os cartazes.
“Ele só quer salvar-se e está disposto a sacrificar-nos a todos”, disse ao jornal The Times of Israel Monica Levy, sobrevivente do atentado bombista contra um autocarro em Telavive, em 1994, e que perdeu agora um membro da sua família no ataque que matou mais de 1350 pessoas.
Muitos dirigentes demitiram-se ou foram afastados pelo voto após o fim de um conflito – alguns até depois de terem saído vitoriosos de uma guerra –, mas poucos terão enfrentado tanta pressão para se afastarem num momento em que a guerra pode apenas ter acabado de começar. “Cada hora em que ele permanece no cargo causa mais danos ao estado”, defendeu o ex-chefe do estado-maior do Exército e antigo ministro da Defesa de Netanyahu, Moshe Ya’alon.
“Netanyahu: Demissão Já!, é o título de um artigo de opinião do editor e colunista Nehemia Shtrasler no jornal Haaretz. No texto, Shtrasler ataca Benny Gantz, outro antigo chefe do estado-maior e um dos líderes da oposição, por ter aceitado integrar o governo de unidade nacional. “Ao fazê-lo permitirá que Netanyahu fique no poder sem pagar pelo desastre de que é responsável. Ao fazer isso, acabará com a luta pela demissão do bandido”, escreve.
De acordo com uma sondagem divulgada na quinta-feira pelo diário The Jerusalem Post, 56% dos israelitas querem que Netanyahu se demita imediatamente depois do fim da guerra.
Os restantes dados são mais avassaladores: “Uma esmagadora maioria de 86% de inquiridos, incluindo 79% dos apoiantes da coligação, dizem que o ataque surpresa a partir de Gaza é um falhanço da liderança do país”, ao mesmo tempo que 94% “acreditam que a responsabilidade pela falta de preparação em matéria de segurança que levou ao ataque” é do executivo, com “mais de 75% a dizerem que a maior parte da responsabilidade é do governo”.
Há outras sondagens sobre as intenções de voto, como a que o jornal Maariv publicou, que mostra o Likud, de Natanyahu, a descer de 32 lugares para 19, assim como a perda de apoio dos partidos ultra-ortodoxos que integram a aliança no poder.
Parte da fragilidade de Netanyahu vem, naturalmente, do “golpe de estado” ou “golpe judicial” denunciado por centenas de milhares de pessoas que durante nove meses saíram semanalmente à rua contra a sua reforma judicial que reforça o poder do primeiro-ministro e do executivo, enfraquecendo o do sistema judicial – e a sua capacidade para vetar decisões governamentais que considere não serem “razoáveis”.
A primeira lei, aprovada em Março, limita as circunstâncias em que um chefe de Governo pode ser declarado inapto para governar e foi vista como visando salvar Netanyahu, quando este temia ser afastado pela procuradora-geral, Gali Baharav-Miara, que poderia declará-lo inapto na sequência do processo por corrupção que enfrenta. Não foram só os protestos – foram os reservistas e militares que neles participaram e que ameaçaram até não se apresentar ao serviço.
Netanyahu chegou a demitir o ministro da Defesa, que depois regressou ao Governo, por este ter assumido como a profunda divisão no país estava a afectar as Forças Armadas: “Isso representa uma ameaça clara, imediata e tangível à segurança do Estado”, defendeu Yoav Gallant.
Mas a responsabilidade que uma maioria de israelitas atribui ao veterano político prende-se também com os seus aliados ultra-religiosos de extrema-direita e a forma como estes puderam impor a sua agenda, nomeadamente ao deslocar muitas unidades militares do Sul de Israel, onde se deu o ataque, para a Cisjordânia, com o objectivo de proteger colonos extremistas e a sua expansão.
Em Setembro, escreve a Al-Jazeera, só estavam dois batalhões colocados perto de Gaza, enquanto havia 22 espalhados pela Cisjordânia, incluindo três a acompanhar orações no túmulo de José, em Nablus, e no túmulo de Raquel, em Belém.
Ao mesmo tempo, a ousadia e o horror do Hamas destruíram em poucas horas toda a doutrina do “Sr. Segurança”, que nunca se quis aventurar em guerras de grande dimensão a acreditou que o muro e o poderio israelita deteriam o Hamas, apostando ao mesmo tempo no seu fortalecimento para promover a divisão palestiniana e evitar negociar a paz. A “paz pela paz”, a fórmula que viu triunfar com os Acordos de Abraão, provando – até há uma semana – que não precisa de desistir de territórios ocupados para atingir a paz com países árabes.
“Para ser um líder em tempo de guerra não basta tomar as principais decisões militares”, diz Anshel Pfeffer, editor do Haaretz e biógrafo de Netanyahu, citado este sábado num artigo da revista The New Statesman. “É preciso assegurar que os assuntos civis continuem a ser resolvidos. Netanyahu nunca esteve particularmente interessado nos problemas sociais de Israel, e agora é certamente incapaz de o fazer, especialmente com o governo incompetente que lidera.”