Centenas
de milhares de mulheres protestaram na noite desse sábado (17) em
diversas cidades da Índia após o brutal estupro e assassinato de uma
jovem médica no hospital em que trabalhava, em Calcutá, no estado da
Bengala Ocidental.
Um policial foi preso, e as investigações foram transferidas para a esfera federal após as autoridades estaduais serem acusadas de incompetência.
Sob
o lema "retomar a noite", mulheres tomaram as ruas do país na
quarta-feira (14/08), um dia antes do 78º aniversário da independência
indiana.
"As
noites não são seguras para as mulheres. Mulheres são importunadas por
trabalharem à noite, por usarem determinadas roupas. Estou vestindo
roupas agora que, se eu usasse em qualquer outro dia, seria chamada de
vadia. Esta é nossa luta contra isso", afirmou à DW uma estudante
durante os protestos em Calcutá.
No
dia seguinte, o chefe de governo indiano, premiê Narendra Modi, abordou
o assunto em seu discurso: "Como sociedade, precisamos refletir sobre
as atrocidades que estão sendo cometidas contra nossas mães, filhas e
irmãs. Há revolta contra isso no país. Posso sentir essa revolta".
Turba atacou hospital
Mas na mesma noite em que mulheres saíram para protestar, grupos atacaram o campus da faculdade de medicina RG Kar Medical College, em Calcutá, vandalizaram carros e saquearam alas de pacientes.
Médica residente no hospital universitário, Shreya Shaw disse estar traumatizada pela violência daquela noite.
"Aqui
estávamos, lutando por espaços seguros para médicos e mulheres em
geral. Mas logo tivemos que correr para proteger os médicos, trancando
as portas antes que a turba os machucasse. Foi assustador", afirmou uma
visivelmente abalada Shaw.
Médico no mesmo hospital, Arif Ahmed Laskar descreveu as cenas de vandalismo como "enojantes".
"Tinha
uma onda de raiva entre todos nós por causa do que aconteceu com a
nossa colega. Estávamos pedindo justiça e fomos confrontados com a
violência", disse Laskar.
Sem segurança no próprio trabalho
Desde que a morte da médica veio à tona, hospitais do governo em diversas cidades da Índia suspenderam os serviços de saúde, exceto os atendimentos de emergência.
Neste
sábado (17/08), profissionais de saúde organizaram uma greve nacional
de 24 horas em protesto contra o crime, com a suspensão de todos os
serviços não essenciais. A expectativa era de que mais de um milhão de
médicos aderissem à paralisação.
A categoria exige justiça e demanda uma nova lei que garanta a proteção deles.
"Precisamos
de uma lei adequada e efetiva. A ideia é ter um ambiente seguro",
enfatizou Indra Shekhar Prasad, presidente da associação de médicos
residentes no All India Institute of Medical Sciences (AIIMS), em Nova
Délhi. "Precisamos de proteção. O caso em Calcutá não é o primeiro nem
será o último. A segurança dos médicos precisa ser priorizada."
"Este
já não é mais só um movimento de médicos; é um movimento para garantir a
segurança no trabalho de todas as mulheres em todo o país", afirmaram
representantes das 23 faculdades de medicina em Bengala Ocidental em
comunicado.
Ataques a profissionais de saúde
Esta não é a primeira vez que médicos na Índia reclamam da falta de segurança no ambiente de trabalho. Há diversos e bem conhecidos casos de ataques à categoria nos últimos anos.
Em maio deste ano, uma jovem cirurgiã foi morta a facadas por um paciente no estado de Kerala.
Alguns
meses antes, um grupo atacou uma experiente cardiologista em um
hospital particular por causa do tratamento de um paciente no qual ela
sequer estava envolvida.
Em
2019, médicos pediram demissão em massa de seus trabalhos na Bengala
Ocidental após uma turba atacar um jovem médico por causa da morte de um
paciente. O médico foi acusado pela família de negligência.
Segundo
a Associação Indiana de Medicina (IMA), cerca de 75% dos médicos no
país já enfrentaram algum tipo de violência no trabalho, indo de
insultos e ofensas à agressão física.
Crimes contra a mulher em alta na Índia
A violência sexual e o estupro são temas percebidos como urgentes na Índia desde o brutal estupro coletivo seguido de homicídio de uma estudante de 23 anos. O crime, cometido em um ônibus em Nova Délhi, capital da Índia, chocou o país e desencadeou protestos por todo o país, com manifestantes exigindo punições mais duras.
A
onda de indignação deu origem a cortes específicas para o processamento
rápido de casos de estupro, bem como à criminalização do stalking e do
voyeurismo. A idade de responsabilização penal também foi reduzida de 18
para 16 anos.
Mas apesar das leis mais duras, ativistas dos direitos humanos afirmam que a situação das mulheres no país não melhorou.
Em
2022, crimes contra a mulher tiveram um aumento de 4% em relação ao ano
anterior, segundo dados divulgados no ano passado pelo Escritório
Nacional de Registros Criminais (NCRB, na sigla em inglês). No caso de
estupro, o aumento foi ainda maior: de 20%, com mais de 31,5 mil
notificações.
A
violência sexual é um problema corrente na Índia. Boa parte dos crimes
contra a mulher não são reportados, devido à falta de confiança na
polícia e ao estigma associado à violência sexual.